I
Uma manhã de Dezembro
* Rui Pedro Gato
Sou um fracasso, sou fraco, estéril de acções, fértil de pensamentos que disso não passam, sou maternidade e cemitério. Sou inútil, incerto, sou deserto, mas tão cheio de nada. Sou frio, mais frio que esta manhã de Dezembro que desabrocha lá fora, lá, fora de mim, onde não existo.
.
Bebo mais um gole. Preto e quente este café, amargo como eu. Não gosto de café. Não gosto do Inverno. Não gosto de acordar de manhã...não gosto de acordar.
.
Aproximo-me da janela como quem liga a televisão. Por entre a neblina matinal vislumbro na paragem os vultos que já adivinhava, os do costume. Há 13 anos que os vejo. Há 13 anos que com eles me transporto às 7:15 para a fábrica, onde não existo. E há 13 anos que às 17:20 regresso a esta paragem. A verdade é que aos domingos não vou, nem nas ocasionais mas obvias folgas que me dou por dívidas para com o sono. Mas mesmo assim, 13 anos são 13 anos.
.
Conto - Rui Gato
.
Fotografia de Victor Nogueira (Rui Pedro).
Colocado por Victor Nogueira @ Quarta-feira, Maio 23, 2007
.