Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

domingo, 26 de março de 2017

Férias de Verão em 1963

* Victor Nogueira


foto Armanda Meles (Mosteiro da Batalha)

Os veraneantes: Victor, Maria Luísa, Isabel, Esperança, Alexandrina, Zé Luís, Teresa e Armanda


foto JL Castro Ferreira - Em Monte Real, possivelmente com outros veraneantes


foto JL Castro Ferreira (Santuário de Fátima)


foto JL Castro Ferreira


foto Armanda Meles (Santuário de Fátima)


pormenor da foto anterior


foto Victor Nogueira (Santuário de Fátima) 


foto Victor Noguera (Santuário de Fátima)


pormenor da foto anterior


foto JL Castro Ferreira (Mosteiro da Batalha)


pormenor da foto anterior


foto Victor Nogueira (Lisboa, Jardim  Zoológico)


pormenor da foto anterior


foto JL ou ML Castro Ferreira (Lisboa, Jardim Zoológico)


foto Victor Nogueira (Lisboa, Castelo de S. Jorge)


pormenor da foto anterior


foto JL ou ML Castro Ferreira (Lisboa, Castelo de S. Jorge)


foto Victor Nogueira - Lisboa e Rio Tejo, ainda sem a ponte



em Monte Real e Lisboa com passagem por Fátima e Batalha


              Monte Real

As carruagens do comboio da Linha do Oeste são antiquadas e as do Caminho de Ferro de Benguela [em Angola] são um pouco melhores. Passámos em Francelos, onde há um sanatório para doenças dos ossos. Perto de Aveiro, os campos têm pinheiros e milho. Em Coimbra nada vi, pois a estação velha não fica na cidade. De Coimbra a Monte Real vim a conversar com um sacerdote franciscano, bastante falador. O Rio Mondego estava quase seco. Havia muito arroz e oliveiras. Chegámos a Monte Real cerca das 17:30. Na Pensão Cozinha Portuguesa fiquei instalado. Um quarto do sótão, pequeno, sem água corrente, com uma clarabóia. O quarto tem uma cama com um óptimo colchão, um guarda fatos, uma mesa de cabeceira, além do lavatório e bidé. Como é meu costume tratei de visitar a terra, tendo dois hotéis e quase duas dezenas de pensões; a nossa fica num extremo.
Domingo fui à Igreja, mas não gosto muito da arquitectura.
A comida é boa. Habituado como estou à vida na cidade, não gosto muito do campo. Aqui não se tem nada que fazer. Só comer e dormir. (1963.08.26 - Diário III)

(...) Eu e a Armanda [Meles] alugámos duas bicicletas e fomos passear na estrada do aeroporto. (...) Na esplanada do cinema há uma máquina de discos ([1]) e tenho‑me entretido a tocá-los. Temos jogado às cartas [Vivre l'amour, Burro em pé,....] (...) 5ª fomos ver o pelourinho e as ruínas do Paço de Santa. Isabel. [Fartei‑me de andar para ver um padrão velho e quatro paredes]. (1963.08.27/31 - Diário III)
Na feira de Monte Real (4ª feira, 4 Setembro) vendia‑se louça de barro, tecidos, fruta e gado bovino, principalmente, e suíno. (1963.09.3/5 - Diário III)

[1] - Juke Box

Passámos por Leiria, que é bastante acidentada, com um pitoresco Castelo no monte. (...) Aqui na região de Leiria há muitas oliveiras, videiras e pinheiros. Para o Minho as videiras são altas, mas aqui são rasteiras. (....) O Rio Lis [que atravessa Leiria] é muito bonito. (1963.09.02 - Diário III)

De Fátima fomos à Batalha, ver o Mosteiro. Lembro‑me das Capelas Imperfeitas, de quando cá estive em 49/50. Gostei bastante de ver o Mosteiro, que é de calcário. Vi os claustros, a Sala do Capítulo, onde se encontra o Túmulo do Soldado Desconhecido. É proibido dar donativos naquela sala, mas os visitantes metiam‑nos no bolso do sentinela que lá estava perfilada. Vimos a sala de 14/18, mas à pressa. Eu gosto de ver as coisas calmamente.

A Igreja é estilo gótico, o mesmo da Sé do Porto ([1]). Vi a sala do fundador, com os túmulos de D. João I, D. Filipa, D. Henrique e outros. Vi também a campa do soldado que salvou a vida de D. João I na Batalha de Aljubarrota. Todo o mosteiro é bonito. (1963.09.02 - Diário III)



[1] - Mas é que não há qualquer semelhança. (Nota - 1996)

De Fátima recordava‑me do chão enlameado e da Capela das Aparições [1949/1950]. A Basílica é bonita. Vi também os moinhos de vento, mas só de longe. (NSF - 1963.09.04)

Chegámos ao Bombarral, terra dos vinhos. Lá vi diversos homens com o barrete ribatejano, verde e vermelho. (1963.09.8/9 – Diário III)

Muitas das estações [Linha do Oeste] tinham bonitos jardins. Em Óbidos vimos o Castelo, que é enorme. Salvo erro a vila ainda se encontra dentro das muralhas. (1963.09.8/9 - Diário III)

Lisboa
Ficámos no Hotel Americano, na Rua 1º de Dezembro. Ao entardecer vim dar uma volta, para ver as montras nos Restauradores e Avenida da Liberdade. Vi os cinemas Éden, que parece luxuoso, e Restauradores (que dá sessões contínuas). Subi a avenida e cheguei ao Parque Mayer. Dei por lá uma volta, tendo feito o gosto ao dedo na barraca de tiro ao alvo. Parte do [filme] "O Parque das Ilusões" passa‑se aqui. Quando cheguei ao S. Jorge [um pouco mais acima] voltei para o hotel. Passei pelo Tivoli e pelo Condes. As montras das lojas são variadas. Utilizei a passagem subterrânea. Depois do jantar fomos comer uns camarões e beber umas cervejas. A casa onde comemos tem as paredes forradas de conchas. (1963.09.09 - Diário III)

De manhã fomos a um mercado no bairro da encosta do Castelo ([1]). Depois visitámos o Castelo de S. Jorge, que é grande. Gostei bastante de vê‑lo. Regressámos ao Hotel, tendo antes ido à Igreja do Carmo, subindo no elevador [de Santa Justa]. As ruínas nada têm de especial, mas há lá um Museu Arqueológico interessante, com objectos da Idade da Pedra, túmulos, múmias e outras coisas do meu agrado. (...) ([2]) (1963.09.10 - Diário III)
.
Após o almoço seguimos pela Avenida Marginal até à Torre de Belém. Visitámos tudo, desde a torre até às masmorras, que são parecidas com as do Forte de S. Pedro da Barra,  em Luanda: frias e húmidas. Visitámos o Museu dos Coches, que também me agradou. (...) O avô Luís já não teve disposição para vermos o Mosteiro dos Jerónimos. (...)  Vi também a Casa dos Bicos  e os pilares da Ponte sobre o Tejo. ([1]) (...) O tempo tem estado muito quente, mas hoje à tarde esteve chuvoso e à noite também: é uma espécie de "cacimbo" (1963.09.10 - Diário III)

Regresso ao Porto
Às 8:30 tomámos o rápido da linha do Norte. Caía uma chuva miúdinha e no céu via-se um lindo arco‑íris. Matabichámos no bar da estação de Santa Apolónia, em, Lisboa, que é original, com motivos do caminho de ferro.

À saída de Lisboa passámos por um aeródromo militar. Monte Real  era sobrevoada por aviões a jacto, da Base Aérea 5. A primeira paragem foi em Santarém. As cadeiras da automotora são mais espaçosas que as do rápido. Às 9:40 chegámos ao Entroncamento, a terra dos fenómenos. Ia tão entretido a ler que, entre Fátima e Pombal, passámos por um túnel sem eu dar por isso.~

Antes de Pombal passámos por um outro que estava em obras. Nesta altura chovia.

Às 11:10 chegámos a Alfarelos e pouco depois à estação de Coimbra B. O rio Mondego estava quase seco - e é um rio importante do continente! Passámos por Pampilhosa da Serra (11:43), Cúria (11:50), Aveiro (12:18), Estarreja, Ovar, Espinho, Granja (13:05), Vila Nova de Gaia (13:25), Campanhã e S. Bento (13:50).

Na nossa carruagem seguiam 4 indianos que deveriam ter saído em Coimbra, mas por ignorância (passaram lá sem saber) não o fizeram e resolveram seguir até ao Porto. Muitas das estações do percurso tinham bonitos jardins. (1963.09.11 - Diário III)



[1] - Seria a Feira da Ladra? Era uma 3ª feira.


Um outro passeio, ao Caramulo
Passámos por S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Albergaria‑a‑Nova, Albergaria‑a‑Velha (comemos algo na Praça D. Teixeira). Chegámos a Águeda passava pouco das 11. Almoçámos no Restaurante Santos. (...) Às 14:15 chegámos ao Caramulo. A serra é muito descampada, além de estar um dia excepcionalmente quente. ([2]) Não gostei do passeio, não por não gostar do passeio, mas sim porque ultimamente tenho andado indisposto ([3]) (1963.06.28 - Diário III - pag. 317/318)




[1] - A construção da Ponte Salazar, rebaptizada em 25 de Abril, obrigou ao desalojamento forçado dos habitantes da zona de Alcântara em que assentaram os seus pilares, dum modo não menos desumano do que o utilizado pelo Marquês de Pombal relativamente aos pescadores da Trafaria, noutro tempo e na outra margem. (1998.Maio)
[2] - Creio que foi desta vez que visitei o Museu do Automóvel (Antigo). Entre Paço de Arcos e Caxias, na Terrugem, fica outro Museu do Automóvel
[3] - Amores de "teenager" e reprovação nos exames do 5º ano.


Pensão Cozinha Portuguesa em 2018. Não me recordo se em 1963 já era este edifício (foto em http://trip-suggest.com/portugal/leiria/monte-real/)


 Lisboa Hotel Americano, em 2018 (foto em https://no.hotels.com/ho239119/hotel-inn-rossio-lisboa-portugal/)?

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