Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

em Vila do Conde - o Bairro Balnear ou a burguesia a banhos

* Victor Nogueira

A passeata para este post ocupou duas tardes, primeiro pela antiga Estrada dos Banhos e depois pelas ruas adjacentes, incluindo a zona Sul do Jardim Júlio Graça, confinante com o Rio Ave. Há uma certa diversidade arquitectónica representativa de estilos diferenciados, umas vivendas mais luxuosas que a maioria. Em não poucas vivendas apenas a fachada é "trabalhada", as empenas laterais sem qualquer adorno, ascéticas, despojadas. Há vivendas abandonadas, em estado de maior ou menor degradação, algumas à venda. Algumas das construções actuais incorporaram as fachadas das primitivas. 

Em 1972 na zona meridional do Jardim foi erguida uma nova igreja (de N. Sra do Desterro), com risco da Arq.ª Maria José Corte Real, no local onde em 1938 havia sido construída a Capela com a mesma invocação. Perto e com cemitério adjacente tinha existido uma capela quinhentista, a de Santiago, entretanto demolida. A partir de 1857 este templo passara à invocação de N. Sra do Desterro  por se encontrarem no retábulo da capela-mor as imagens da “fuga para o Egipto”


Capela de Santiago - "Construção medieval simples , em alvenaria, com cantaria só nos portais e porta principal voltada ao Nascente . Era de uma só nave , tinha coro , ábside e sacristia espaçosa . Nas traseiras havia um cemitério murado , mas sem túmulo algum que se destacasse ." (1)



Capela de N. Sra do Desterro, construída em 1938 (1)

Ao fim dum dos dias lancho num café de bairro, o Ponto de Encontro, sossegado, com mesa de bilhar e jornal para ser lido pelos raros frequentadores na hora em que lá permaneço. O Jornal de Notícias é nos cafés do norte o que nos do sul é o Correio da Manhã. O copo do Iced Tea que bebo é elegante e tem um veleiro publicitando o whisky Cutty Sark. A meu pedido e para a minha colecção de representações de veleiros, afavelmente o barman oferece-mo. Quando me dirigia para o Fiesta, mais adiante, ouço passos atrás de mim e é o barman que me entrega a máquina fotográfica por mim esquecida na mesa. 

O Bairro Balnear (2)

A construção dos jardins da Av. Júlio Graça remonta ao ano de 1870, quando a então Vila do Conde começou a expandir-se em direção ao mar. Inicialmente foi pensado como “jardim romântico”, incluindo um lago, uma ponte, um coreto e múltiplas espécies vegetais. Ao longo do século XX o jardim, com os seus frondosos plátanos, foi sofrendo intervenções diversas, até à forma regularizada actual. Hoje em dia e anualmente, realizam-se aqui importantes feiras e exposições, como a Feira Nacional de Artesanato, a Feira de Gastronomia “Cozinha à Portuguesa” e a Feira de Atividades Agrícolas “Portugal Rural”-


Jardim Júlio Graça

O Jardim Júlio Graça marca a importância do chamado Bairro Balnear, na sequência da abertura para poente da Rua ou Estrada dos Banhos que para usufruto da burguesia ligaram o centro do Vila à Praia ou Mar dos Vessadouros, actual Praia do Turismo, finalmente concluída em 1867 após moroso processo no mandato municipal de Bento de Freitas Soares, seu principal impulsionador.

O 1º edifício nela construído foi a Escola Conde Ferreira, concluída em 1870, uma das 120 cuja edificação com modelo único foi permitida em todo o país pelo legado de Joaquim Ferreira dos Santos (1782 / 1866), comerciante de escravos e filantropo sucessivamente nobilitado como 1.º Barão de Ferreira, 1.º Visconde de Ferreira e 1.º Conde de Ferreira. Apesar da expropriação dos terrenos agrícolas necessários para a abertura da estrada e construção do Bairro Balnear, foi lenta a sua concretização, com vivendas para uso próprio ou para aluguer, num processo que durou décadas, até à segunda metade do século XX, o que é visível na relativa diversidade dos estilos arquitectónicos, dominantes em cada época.

Os chalets e palacetes da década de1890 inspiram-se na mansão inglesa e nos chalets suíços, embora com a entrada do novo século, as casas de veraneio se tornem mais simples apesar de manterem uma volumetria considerável, como sucede com a moradia onde viveu Guerra Junqueiro. Se algumas vivendas e moradias eram para uso próprio, muitas outras eram um investimento com o retorno do seu arrendamento na époa estival. Quantas mais casas o proprietário tivesse, maior seria o rendimento esperado.

Após a abertura da Rua dos Banhos e do Jardim Júlio Graça, surgirão novos arruamentos perpendiculares e paralelos à Avenida Bento de Freitas: Almeida e Brito, Conde de Margaride, Baltazar do Couto, Estevão Soares, Avenida Brasil. As construções na Rua dos Banhos e na envolvência prosseguiu a um ritmo vagaroso, verificando-se, ainda na segunda metade do século XX, a existência de muitos terrenos disponíveis. Em 1887 inaugura-se o Hotel da Avenida.

A partir dos anos 30 dá-se uma dinamização do processo, na rua Almeida e Brito, actual Avenida Sacadura Cabral. As novas vivendas continuam espaçosas, com aposentos distribuídos por mais de um que um piso, com jardim e logradouro.

Durante a 2ª metade do século XX, algumas das casas construídas na rua dos banhos, a primeira artéria da estância balnear vila-condense, foram demolidas e deram lugar a edifícios de apartamentos os quais incorporaram, também, alguns dos terrenos não urbanizados. 

O Jardim - Avenida Júlio Graça era o passeio público do Bairro Balnear por onde a burguesia passeava, com o seu coreto para actuação de bandas musicais.

Outro espaço de sociabilidade e convívio foi o Teatro Afonso Sanches, inaugurado em 1900 e localizado no topo nascente da Avenida Bento de Freitas. Nele se projectaram das primeiras imagens em movimento e a partir de 1907 se instalou o 1º Casino de Vila do Conde. O Grande Casino é inaugurado em 1918. 


VILA DO CONDE - TEATRO - Theatro Afonso Sanches


Contudo, entre a praia e o centro da Vila havia uma distância considerável, com terrenos vazio ou campos agrícolas que dificultavam a comunicação entre as duas zonas da localidade. A fixação de residência permanente foi também muito lenta, acontecendo, principalmente, na ala nascente da Avenida e nas ruas que ladeavam o Jardim Júlio Graça. 


Em 1920, substituindo o primitivo Hotel, inaugura-se o Palace Hotel um novo espaço de sociabilidade com um café, muito elogiado pela imprensa da época e procurado pelos veraneantes durante a tarde e a noite.   



Vila do Conde  - Grande Casino 

A Grande Assembleia de Vila do Conde ou o Grande Casino, projecto do arquitecto Eduardo Alves, é inaugurado em 1918, perto do Teatro Afonso Sanches.  O rés-do-chão é ocupado com um amplo e luxuoso café, uma confeitaria com um restaurante e uma sala de barbear. No primeiro andar funciona a Assembleia de Vila do Conde. integrando o salão de baile, o salão de jogos, com mesas de jogo, secretárias e mesas de leitura; uma sala de reuniões; uma sala das senhoras e a sala de Buffet. 

Sendo durante décadas um lugar de veraneio e ocupação sazonal, era pequena a inter-accão entre os veraneantes abastados e os vilacondenses, a maioria muitíssimo pouco ou nada abastados

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(1) Capela de Santiago in CARIOCA DA VILA http://carioca-carioca.blogspot.pt/2007/11/capela-de-santiago.html

(2) FONTE do texto: Miranda, Marta Tavares - O Bairro Balnear: contributos para a História Contemporânea de Vila do Conde ( 1866 – 1936), Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História e Património- Estudos locais e Regionais. Construção de Memórias, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2015, in https://sigarra.up.pt/flup/pt/pub_geral.show_file?pi_gdoc_id=488424


Avenida Bento de Freitas
antiga Rua dos Banhos










 casas do tipo das construidas por Manuel de Araújo Pimentel, cerc de 1880












O palacete Melo, construído por Joaquim Maria de Melo, tendo o processo de obra dado entrada na Câmara Municipal em 1886 passou, posteriormente, por vários proprietários, sendo, na atualidade, património municipal.

(Palacete mandado construir por José da Conceição Rocha, 1890)










(nesta esquina e na época balnear havia uma mercearia para abastecer o bairro)









































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Rua Conde Margaride




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Avenida Júlio Graça









(Grande Casino, inaugurado em 1918)


(Palace Hotel, inaugurado em 1920)




















(Jardim Júlio Graça)






(edifício visto da Rua Sacadura Cabral)





























Igreja de N. Sra do Desterro




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Avenida Sacadura Cabral,
antiga Rua Almeida e Brito










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Avenida Dr.  Artur da Cunha Araújo


(Grande Casino)








Chalet construído em 1892 por Leopoldina Cândida Correia Pereira e no qual residiu o escritor Guerra Junqueiro, entre 1903 e 1905





(escola do Conde Ferreira, actual sede da Junta de Freguesia)


2016.09.19 / 20


Avenida Bento de Freitas (antiga Rua da Praia) e Jardim Júlio Graça

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